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Eduardo Paim: “Os músicos mais pobres que conheço a nível do universo são os angolanos”

No ano em que comemora 60 anos, o criador da Kizomba vê o seu estilo de música ser elevado a Património Cultural Imaterial Nacional. Ao jornal Expansão, o músico mostra-se satisfeito e pede maior atenção aos fazedores desta arte. Para o também produtor, é normal que surjam outros estilos derivados do Kizomba, mas deve-se preservar ao máximo a originalidade do estilo nacional.

Comemorou o seu 60.º aniversário com um concerto. É uma data que merecia esta comemoração?

É realmente com base neste acontecimento. Penso que seis décadas de vida merecem, de facto, uma comemoração. E, por essa razão, aceitei a proposta da equipa que se dignou proporcionar este espectáculo, no Palácio de Ferro. Naturalmente, a maior parte deste tempo já foi com o foco virado para a música. Dos 60 anos de vida tenho 48 de carreira, pelo facto de ter começado cedo a enveredar por este caminho do qual nunca mais sai.

Correspondeu às expectativas?

Vou a caminho de 50 anos de carreira. Acho que o que tenho para dizer já está dito. O que tive para apresentar é exactamente o prazer das pessoas verem-me fazer o que fez com que eles me elegessem a pessoa que eu sou. Claro, teve surpresas. Foi uma celebração. Cantámos as músicas com as quais fizemos história. A sala esteve lotada e fizeram-se aí umas manobras para conseguir albergar mais pessoas.

O espaço foi pequeno para o concerto?

Não. Nós temos de nos habituar. Eu aprendi e retive uma frase de uma música, o verdadeiro artista vai onde o seu público está. E eu tenho essa prática de ir ter com os meus admiradores onde eles se sentem confortáveis. Porque se eles estiverem lá eu já estou confortável. Não foi um show qualquer. Foi um show de celebração. Uma celebração que já tem quase 50 anos de convívio. Porque sobretudo nos últimos 10, 15 anos, sinto que faço parte de um povo, que faço parte de uma cultura. Sinto que sou respeitado.

Antes não sentia isso?

Sempre senti. Mas uma coisa é sentir o que sentiste há 30 anos, outra coisa é sentir algo melhor aos 60 anos. Um momento que você está a viver aos 60 anos tem um significado que não é igual ao que viveste há 20 anos. Portanto, a persistência, o crédito do povo, do público. Hoje toda a gente me chama Marshall com prazer. E ter esta distinção é extremamente motivador.

Com 48 anos de carreira, pensa em reformar-se?

Bom, existem cantores com muito mais anos de carreira do que eu e nem querem ouvir falar de reforma. No meu caso, quero ser útil enquanto tiver alguma utilidade. Porque quando achar que já entrei na repetição, já entrei no ciclo vicioso, prefiro que as pessoas se recordem de mim nos momentos mais criativos, mais áureos, do que estar a insistir só para manter o nome. Penso que muita gente tem essa ambição, no meu caso não. Até porque sou alvo de um interregno de cerca de 30 anos.

Qual foi o motivo?

Porque há 30 anos já fazia furor. Mas como tudo na vida, depois de um alto, é normal que a gente tenha de enfrentar momentos menos altos. E estes momentos uns interpretam como uma derrota ou fracasso. Mas não, felizmente tenho o exemplo na vida de que as dificuldades sempre aguçaram os engenhos. Portanto, quem não tem dificuldades é relaxado e o relaxo não traz valor acrescentado. E é óbvio que tive de enfrentar uma altura de menor criatividade.

Faltava inspiração?

As inspirações, como tenho dito várias vezes, são mensagens que determinadas pessoas captam. Porque nestas pessoas pode estar esta particularidade também implícita. Mas a inspiração não se inventa. Eu, pelo menos nunca consegui inventar uma inspiração. Então digo assim, o sucesso que a gente faz das nossas inspirações é porque captamos a mensagem que foi enviada, ou para nós ou em direcção ao lugar onde estamos. O resultado daquilo que é feito com inspiração normalmente é infalível. Falo por experiência própria, porque aquilo que inventei, poucas coisas surtiram o efeito que procurava.

Nesse período interregno o que fazia para viver?

O meu enquadramento com a música não é apenas como cantor, sempre fui produtor, aliás comecei como produtor. O facto de não fazer para mim nunca implicou não fazer para os outros. Também foi bom, porque a gente aprende mais quanto mais lida com as pessoas. E, claro, foi preciso passar por um período como esse, porque, mesmo como consequência de ter trabalhado com muitas pessoas, houve momentos em que não tinha tempo para mim. Era mais fácil honrar os meus compromissos com as outras pessoas do que priorizar os meus.

A nível nacional, qual é a avaliação que faz da música?

Como qualquer outra, os angolanos desde os tempos mais ancestrais foram sempre um povo de luta, criatividade, cultura forte e todos aqueles que reúnem esses predicados descrevem sempre uma trajectória ascendente. Portanto, o que tenho a dizer sobre a cultura, no seu todo, sempre anda para frente. O que às vezes surge como dificuldade é que nos atrasa a vida, mas isso é uma questão de sistema.

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